Qual Filósofo Defendeu Que A Capacidade De Sofrer Deveria Ser O Critério Para A Consideração Moral Dos Seres? As Opções São: (A) Immanuel Kant (B) Jeremy Bentham (C) Friedrich Nietzsche (D) John Stuart Mill
A questão de quais seres merecem consideração moral é um dos debates mais profundos e duradouros da filosofia. Ao longo da história, diferentes filósofos propuseram diversos critérios para determinar quem ou o quê deve ser incluído no nosso círculo de preocupação moral. Uma perspectiva notável, que ganhou força significativa, é a visão de que a capacidade de sofrer deve ser o fator decisivo. Este artigo irá aprofundar-se nesta perspetiva, explorando o filósofo chave associado a ela e as implicações do seu pensamento.
A Perspetiva Utilitarista e a Capacidade de Sofrer
A filosofia moral do utilitarismo está no cerne da ideia de que a capacidade de sofrer deve ser central para a consideração moral. O utilitarismo, em sua essência, postula que a ação moralmente correta é aquela que maximiza a felicidade e minimiza o sofrimento para o maior número. Esta filosofia consequencialista avalia as ações com base nos seus resultados, procurando o maior bem para o maior número.
Dentro da estrutura utilitarista, a capacidade de sofrer surge como uma consideração crucial. Se o objetivo é minimizar o sofrimento, então segue-se que os seres capazes de sofrer merecem nossa consideração moral. Esta linha de raciocínio expande o reino da consideração moral para além dos meros humanos, abrangendo todos os seres sencientes – aqueles capazes de experimentar sensações e emoções, incluindo dor e prazer.
Jeremy Bentham: O Pioneiro da Consideração Moral Senciocentrista
Jeremy Bentham, um filósofo e reformador social inglês do século XVIII, é amplamente reconhecido como um dos primeiros e mais influentes defensores da visão de que a capacidade de sofrer deve ser o critério crucial para a consideração moral. O seu trabalho lançou as bases para o movimento dos direitos dos animais e para uma compreensão mais ampla da ética.
Bentham articulou famosamente o seu ponto de vista numa passagem que ressoa até hoje: "A questão não é, 'Eles podem raciocinar?' nem, 'Eles podem falar?' mas, 'Eles podem sofrer?'" Esta afirmação poderosa desloca o foco da razão ou da linguagem para a capacidade fundamental de sentir dor e sofrimento. Ao fazê-lo, Bentham desafiou a visão antropocêntrica predominante, que colocava os humanos no auge da hierarquia moral.
O Cálculo da Felicidade de Bentham
O argumento de Bentham para considerar a capacidade de sofrer decorre da sua estrutura ética utilitarista. Ele acreditava que a moralidade deveria ser baseada no princípio da maximização da felicidade e da minimização da dor. Para alcançar isto, Bentham propôs um "cálculo da felicidade", uma forma de quantificar os prazeres e as dores que podem resultar de uma ação. Este cálculo considera fatores como a intensidade, duração, certeza e proximidade de prazeres e dores.
A visão de Bentham sobre a consideração moral estende-se a todos os seres capazes de experimentar prazer e dor, incluindo animais. Ele argumentou que os animais, como os humanos, têm a capacidade de sofrer e os seus interesses devem ser considerados ao tomar decisões que os afetam. Ignorar o sofrimento dos animais, para Bentham, é tão moralmente repreensível como ignorar o sofrimento dos humanos.
Implicações do Pensamento de Bentham
As ideias inovadoras de Bentham tiveram um impacto profundo na filosofia moral e no movimento dos direitos dos animais. A sua ênfase na capacidade de sofrer como critério para a consideração moral desafiou as conceções tradicionais de ética, que muitas vezes priorizavam os interesses humanos em detrimento dos de outros seres.
O trabalho de Bentham ajudou a preparar o caminho para o desenvolvimento dos direitos dos animais e movimentos de bem-estar. A sua defesa do tratamento ético dos animais inspirou gerações de ativistas e pensadores a desafiar as práticas que causam sofrimento animal, tais como a pecuária intensiva, a experimentação animal e os desportos com animais.
Outros Filósofos e a Consideração Moral do Sofrimento
Embora Jeremy Bentham seja a figura central na defesa da capacidade de sofrer como critério para a consideração moral, outros filósofos contribuíram para este debate. As ideias de John Stuart Mill e Peter Singer, em particular, desempenharam um papel importante na expansão e no aperfeiçoamento desta perspetiva.
John Stuart Mill: Refinando o Utilitarismo
John Stuart Mill, um filósofo e economista do século XIX, foi um proeminente utilitarista e um pupilo de Jeremy Bentham. Mill admirava o quadro utilitarista de Bentham, mas procurou refinar e expandir sobre ele. Enquanto Bentham enfatizou a quantidade de prazer e dor, Mill argumentou que a qualidade também importa.
Na sua obra clássica, Utilitarismo, Mill distingue entre prazeres "superiores" e "inferiores". Os prazeres superiores, argumentou ele, são aqueles que envolvem faculdades intelectuais e morais, tais como o prazer de apreciar a arte, a literatura ou o envolvimento em debates filosóficos. Os prazeres inferiores, por outro lado, são aqueles que são compartilhados com os animais, tais como o prazer de comer ou dormir.
O refinamento do utilitarismo por Mill teve implicações para a consideração moral dos animais. Embora Mill concordasse com Bentham que o sofrimento animal deveria ser minimizado, ele também acreditava que os interesses humanos em prazeres superiores podem, em alguns casos, ter precedência sobre os interesses animais. No entanto, a ênfase geral de Mill na minimização do sofrimento permaneceu um princípio fundamental da sua filosofia, e ele defendeu um melhor tratamento dos animais.
Peter Singer: O Utilitarismo Prático e os Direitos dos Animais
Peter Singer, um filósofo contemporâneo, é um dos mais influentes defensores do utilitarismo e dos direitos dos animais. O seu livro de 1975, Libertação Animal, é uma obra fundamental no movimento dos direitos dos animais, argumentando que devemos estender a mesma consideração moral aos animais que damos aos humanos.
Singer popularizou o conceito de "especismo", que ele define como um preconceito ou preconceito em favor dos interesses da própria espécie e contra os de outras espécies. Ele argumenta que o especismo é tão indefensável moralmente quanto o racismo ou o sexismo. Assim como é errado discriminar alguém com base na sua raça ou sexo, é errado discriminar alguém com base na sua espécie.
Singer, como Bentham, enfatiza a capacidade de sofrer como o critério crucial para a consideração moral. Ele argumenta que se um ser é capaz de sofrer, os seus interesses devem ser levados em conta. Este argumento tem profundas implicações para a forma como tratamos os animais. Singer defende uma redução drástica do nosso uso de animais para comida, vestuário, experimentação e entretenimento. Ele desafia-nos a reconsiderar as nossas suposições sobre a relação entre humanos e animais e a lutar por um mundo onde os interesses de todos os seres sencientes sejam considerados.
Críticas à Capacidade de Sofrer como um Critério
Embora a visão de que a capacidade de sofrer deve ser central para a consideração moral tenha ganho apoio generalizado, não está isenta de críticas. Alguns filósofos argumentam que, embora o sofrimento seja certamente relevante, não é o único fator que deve determinar o nosso alcance moral.
A Questão da Senciência
Uma crítica é que a capacidade de sofrer, ou senciência, pode ser difícil de determinar com precisão. Embora possamos razoavelmente inferir que certos animais, como mamíferos e aves, são capazes de sofrer, torna-se mais desafiador avaliar a senciência em outras espécies, como insetos ou plantas. Os críticos argumentam que confiar apenas na capacidade de sofrer como critério pode levar-nos a excluir seres que podem ser capazes de experimentar sofrimento em alguma medida.
Outros Critérios para a Consideração Moral
Outros críticos propõem critérios adicionais para a consideração moral, tais como a racionalidade, a autoconsciência ou a capacidade de relações complexas. Eles argumentam que estes fatores podem ser relevantes para determinar o valor moral de um ser. Por exemplo, alguns argumentam que os seres capazes de raciocínio avançado e planeamento futuro têm um estatuto moral mais elevado do que aqueles que não são.
A Resposta Utilitarista
Os utilitaristas reconhecem a complexidade destas questões, mas argumentam que a capacidade de sofrer permanece uma consideração fundamental. Eles sustentam que, embora outros fatores possam ser relevantes, a capacidade de sofrer é um ponto de partida crucial para estender a consideração moral. Eles também enfatizam que a incerteza sobre a senciência não deve ser uma desculpa para infligir sofrimento. Se houver uma hipótese razoável de que um ser é capaz de sofrer, devemos pecar por precaução e tratar esse ser eticamente.
Conclusão
A questão de quem merece consideração moral é um dos desafios mais prementes que enfrentamos. A perspetiva de que a capacidade de sofrer deve ser o critério central oferece uma resposta convincente, expandindo o nosso círculo de preocupação moral para incluir todos os seres sencientes. Jeremy Bentham foi um pioneiro desta visão, e o seu trabalho, juntamente com as contribuições de John Stuart Mill e Peter Singer, teve um impacto profundo na filosofia moral e no movimento dos direitos dos animais.
Embora as críticas e as complexidades permaneçam, a capacidade de sofrer como critério para a consideração moral fornece uma estrutura poderosa para repensar a nossa relação com outros seres. Ao reconhecer a importância do sofrimento, podemos trabalhar no sentido de um mundo mais ético e compassivo para todos.